Justiça
Símbolos religiosos em prédios públicos, em debate
Crucifixos em repartições públicas geram controvérsias no Brasil, com discussões que remontam ao século XIX. O STF agora analisa o tema, envolvendo espaço público e religiosas representações.
A presença de símbolos religiosos em prédios públicos no Brasil é um tema complexo e multifacetado que tem sido objeto de debate no Supremo Tribunal Federal (STF). A discussão em torno da presença desses símbolos, como crucifixos, não é algo novo e tem raízes históricas, remontando ao século XIX.
Esse debate não se resume apenas à questão da presença de símbolos religiosos em prédios públicos. A imagem de uma sociedade que se apresenta como laica, mas que não tem sido capaz de resolver esse problema de maneira clara, é um reflexo de um Estado que não consegue se posicionar de forma clara em relação à religião. O fato de o STF ter que se envolver nesse debate é um reflexo disso. A questão não é apenas de símbolos religiosos, mas também de uma imagem sacra que o Estado não consegue se livrar. O debate em torno da presença de crucifixos em prédios públicos é apenas uma parte de um problema mais amplo de como o Estado se relaciona com a religião. O Estado não consegue se livrar de símbolos religiosos porque não consegue se livrar de sua própria imagem sacra.
Perseguição a símbolos religiosos na sociedade brasileira
No final do século XIX, o Brasil enfrentou um conflito que tinha raízes profundas na sociedade. O pastor Miguel Vieira Ferreira, da igreja evangélica brasileira, levantou a questão da exposição de imagens sacras em espaços públicos. Em 1891, ele questionou a presença dessas representações em prédios governamentais. Poucos meses depois, em março de 1892, publicou um artigo no jornal Jornal do Commercio, denunciando a presença de uma imagem de Cristo no salão do júri na então Capital Federal. Segundo ele, dois jurados pediram dispensa da sessão por motivos religiosos, solicitando a retirada da imagem, o que foi negado pelo juiz.
O pastor criticou duramente a atitude do juiz e do promotor, classificando-a como uma grave injustiça. Ele argumentou que o governo não deveria tolerar a exposição de símbolos religiosos em repartições públicas, pois isso era incompatível com a noção de justiça. Em seu artigo, ele escreveu que os símbolos religiosos em espaços públicos eram uma violação dos direitos dos cidadãos, especialmente dos não católicos, que se sentiam discriminados.
Um ato de destruição e as consequências
No dia seguinte à publicação do artigo, um homem chamado Domingos Heleodoro Pereira, frequentador da igreja liderada por Miguel Vieira Ferreira, entrou no prédio do Júri e destruiu a imagem de Cristo e outra representação religiosa na sala secreta. Preso em flagrante, Domingos declarou que agiu inspirado pelos discursos do pastor. Isso levou a uma denúncia contra ambos: Domingos como autor do ato e o pastor como mandante. A denúncia provocou um intenso debate público e político.
O jornal Jornal do Commercio noticiou o andamento processual da destruição dos símbolos religiosos. Segundo a decisão, embora ninguém tenha testemunhado o momento em que a imagem foi destruída, Domingos teria declarado: ‘É a lei que se cumpre’. Já o pastor teria dito na véspera do incidente que ‘a imagem havia de sair; se não acabasse por bem, acabaria por mal’. Em novembro de 1892, Miguel Vieira Ferreira publicou novo artigo, pedindo a soltura de Domingos Heleodoro, que permanecia preso há sete meses sem julgamento.
Uma crônica da época
O escritor Machado de Assis publicou uma crônica sobre o caso, destacando que a sentença de pronúncia absolveu Miguel Vieira Ferreira, mas reconheceu a criminalidade de Domingos Heleodoro. A crônica retratou a passagem como um exemplo da perseguição a símbolos religiosos na sociedade brasileira. O caso mostrou como a sociedade estava dividida em relação à exposição de imagens sacras em espaços públicos e como a perseguição a esses símbolos era uma questão recorrente na sociedade brasileira.
Fonte: © Migalhas